Notícia

9min leitura

Seth Klarman: dez lições de uma lenda do mercado financeiro

Aula de value investing com Seth Klarman

Por Matheus Soares

01 ago 2023 14h10 - atualizado em 01 ago 2023 04h09

Na conferência de acionistas da Berkshire Hathaway de 2022, Warren Buffett confessou que existe um livro que ele lê “quase diariamente”.

O livro é tão desejado e tão raro que as únicas versões disponíveis na Amazon não saem por menos de US$ 2.300. Isso mesmo: DOIS MIL E TREZENTOS DÓLARES. 

O nome do livro é Margin of Safety e foi escrito em 1991 por um dos maiores value investors de todos os tempos: Seth Klarman. O próprio nome da obra já nos diz muito sobre sua filosofia de investimento – o termo foi introduzido por Benjamin Graham, o pai do value investing e mentor de ninguém menos que Warren Buffett.

Klarman é CEO e fundador do Baupost Group, um dos maiores hedge funds do mundo sediado em Boston, com quase 28 bilhões de dólares sob gestão. Seu retorno é simplesmente espetacular: 20% ao ano nos últimos 30 anos, feito que deu a ele o apelido de “O Oráculo de Boston”.

É muito difícil encontrar qualquer aparição pública dele, mas recentemente ele esteve no podcast Capital Allocators e compartilhou com a audiência um pouco da sua sabedoria como investidor e discípulo do value investing.

O episódio é uma verdadeira aula de investimentos e a seguir vou compartilhar com vocês as dez lições que eu tirei da conversa: 

1. O mercado não é eficiente

“Complexity can be an investors friend”.

Segundo a experiência de Seth, ao se juntar as peças de histórias complexas, as oportunidades aparecem e são incrivelmente óbvias.

Segundo a teoria dos mercados eficientes, tais oportunidades não deveriam existir. Rebatendo esta teoria, Seth diz que assim como muitas outras, ela não se aplica na prática: “In theory, every theory works, but in practice a lot of them don’t (..) It’s like riding a horse by sitting on the fence and observing a bunch of horses, or you can go and ride on a horse, it is as simple as that”.

É deste pressuposto que nasce a filosofia de value investing, em que o investidor busca encontrar e arbitrar as diferenças entre preço e valor justo de um ativo.

2. Quem pensa igual a todo mundo não tem como ser um investidor de sucesso

“People talked a good game but didn’t put their money where their mouth is”.

O Baupost Group foi criado justamente quando seus fundadores – que queriam investir o próprio dinheiro – perceberam que todos os gestores compartilhavam das mesmas opiniões, sendo que a maioria deles não colocavam o próprio dinheiro no próprio fundo. 

O consenso acredita que todo mundo deveria ter as top sete ações do momento e investir somente em empresas listadas em índices de ações. 

Por outro lado, Seth gosta de investir em empresas que ainda não estão nos índices, as quais tendem a negociar com desconto. Dessa forma ele acredita não correr o risco de sofrer com um fluxo vendedor de uma empresa que pode sair do índice e ainda leva a opcionalidade de entrar fluxo comprador no momento que a empresa for adicionada a um índice.

“You are not going to make money by outsmarting people on widely followed stocks with an undifferentiated opinion”.

Uma vez um analista do Merril Lynch ligou para Seth perguntando o que o banco poderia oferecer e a resposta dele foi: “não quero que você me ligue para falar do valuation de Microsoft ou IBM, isso é perda de tempo. Quero que você me ligue quando ficar sabendo de um título ou uma ação que você nunca ouviu falar ou que um acionista grande esteja vendendo.

3. Ser um value investor não é fácil

“Value investing is like watching a paint dry but you bring a hair blower”.

Apesar de parecer fácil comprar um ativo abaixo de seu valor justo e vender por um preço igual ou superior a esse valor, a maioria das pessoas não são pacientes para segurar uma posição por muito tempo.

A grande dificuldade de ser um value investor é que há tempos em que o mercado te chama de idiota todos os dias e incentiva o investidor a rever suas convicções – mesmo que a ação esteja barata, nada impede ela de ficar mais barata.

“The hard thing about investing in general is that the market tells you are wrong all the time”. 

A partir do momento que o investidor se convencer que o preço está trazendo uma informação valiosa, ele acabará sendo convencido pela opinião popular. Afinal, é ela que dita o preço dos ativos.

Porém, o investidor terá sucesso no momento em que passar a entender que o mercado é um ser maníaco que às vezes vende ativos a preços muito baixos ou compra eles a preços exorbitantes.

4. O investimento oportunístico

O Baupost Group não tem analistas especializados em determinados setores e/ou empresas. Na realidade, o grupo tenta ter uma visão mais global e gasta seu tempo tentando encontrar as oportunidades.

Esta abordagem se assemelha ao que disse Daniel Goldberg no episódio #55 do Market Makers entre o “quê” e o “porquê”,  pois Seth também diz que é impossível saber o fluxo de caixa de uma empresa depois de dez anos, e o analista deveria gastar seu tempo procurando oportunidades ao invés de tentar entender tudo sobre uma empresa qualquer.

Estas oportunidades são identificáveis porque elas se encaixam em padrões, conforme os exemplos a seguir: i) um fundo querendo liquidar seu último ativo com urgência para inaugurar um novo fundo; ii) o título de uma empresa em reestruturação; iii) uma ação recém excluída de um índice.

Os exemplos acima são situações – o “porquê” que Goldberg sempre se pergunta – que Seth se interessa por se tratarem de ativos que precisam ser vendidos com urgência, gerando a distorção entre preço e valor. Usando a analogia do Goldberg, Seth gosta de ser o bombeiro.

Um outro tipo de situação que chama a atenção de Seth é o que ele chama de empresas com gatilhos (triggers), como aquelas envolvidas em negociações de fusão e aquisição. 

Além de trazer uma diversificação para o portfólio, são casos que dependem menos do fluxo de notícias do mercado e mais de eventos específicos. 

5. São tempos difíceis para o investidor de longo prazo

Antigamente, o investidor precisava se preocupar apenas com mudanças no ciclo, e aquele com viés de longo prazo aproveitava para encher seu carrinho durante as recessões por saber que os tempos ruins não seriam perpétuos. Já para o investidor de hoje não basta comprar uma ação que negocia a um múltiplo baixo, pois as mudanças estruturais são cada vez mais frequentes, isto é, o risco de disrupção do negócio em que ele está investindo é maior.

Devido a esses movimentos disruptivos, os últimos 15 anos não foram bons para os value investors, que viram o dinheiro migrando de negócios de valor para empresas de crescimento. Porém, uma parte deste fluxo é reflexo dos investidores se tornando menos pacientes.

6. É importante investir no longo prazo, mas é ainda mais importante saber o momento de investir

“Being early and being wrong look exactly the same”.

O problema de se investir no longo prazo numa empresa sem gatilhos de valorização é ter que segurar uma posição por muitos anos sem receber nenhum retorno.

Reconhecendo isso, Seth não se importa em trocar um ativo barato por outro ainda mais barato, mas que vale mais a pena gastar mais tempo se aprofundando. 

Pode parecer um pouco contraditório com sua filosofia de value investing, mas sua experiência também ajuda a determinar o que é melhor a se fazer no momento.

7. Como ganhar com a falta de liquidez

Um ativo ilíquido deve oferecer um prêmio, pois deve compensar o custo de renunciar ao controle de entrar e sair de uma posição a qualquer momento, ou seja, o direito de mudar de opinião. No entanto, não é a falta de liquidez que gera mais retornos, mas sim o desconto que se consegue obter na aquisição do ativo ilíquido que é vendido com urgência.

8. A inteligência artificial não vai acabar com as oportunidades de investimento

A máquina não vai acabar com as oportunidades no mercado porque, em última análise, ela copia o ser humano. Além disso, o poder da IA é limitado, pois muitas informações não estão disponíveis em bases de dados públicas e há muitas amostras de um único evento no mercado, ou seja, coisas que nunca aconteceram no passado.

Seth não acredita, por exemplo, que a IA prever melhor do que um especialista o que vai acontecer com um título de dívida de uma empresa em fase de reestruturação.

9. Estamos vivendo uma bolha

“We don’t really understand the degree of exuberance in the market”. 

O momento atual é um dos mais estranhos que Seth já viu em seus mais de 40 anos de mercado. Seth acredita que as ações estão numa bolha, que parecia que ia estourar após o episódio do Silicon Valley Bank, mas que rapidamente virou um bull market.

Ainda há vários esqueletos no sistema financeiro que não foram revelados, e o grande risco é de numa eventual crise financeira com o governo não resgatando as instituições financeiras como fez nas últimas.

Ainda assim, os investidores estão com apetite por risco: “nobody is comfortable with a 50% drop of the market, yet americans own more stocks than ever before”.

Para que o investidor possa se preparar para a próxima crise, ele recomenda o estudo de crises anteriores como a Grande Depressão e a crise dos anos 70.

Com esta mentalidade, o Baupost tem uma carteira mais diversificada e prefere investir em crédito, cujo duration é menor e a senioridade na estrutura de capital é maior. Mesmo que não ocorra nenhuma crise, Seth aponta para o risco do múltiplo preço/lucro das ações americanas – hoje acima de 20x – retornar à média de 17x.

10. O que Seth está fazendo hoje?

Ele tem uma visão negativa para as ações americanas, mas continua fazendo o que sempre fez: procurar descontos em ativos ilíquidos ou com eventos que destravem o valor. 

Os descontos que ele encontra são tão grandes (a tal da margem de segurança) que isso o protege de uma eventual realização nos mercados, além do fato de que ativos em situações especiais (como fusões e aquisições) têm um duration menor e, portanto, são menos correlacionados com o restante do mercado. 

Em relação a sua carreira, Seth não pretende ficar no Baupost Group por mais muitos anos e acredita que há pessoas experientes no grupo que estão prontas para uma sucessão.

Contudo, ele quer fazer uma transição lenta para assegurar que ela ocorra da melhor forma possível.

Eu poderia discorrer aqui com outras inúmeras lições aprendidas ouvindo essa lenda do value investing, mas deixo vocês com essas dez que mais mexeram com a minha cabeça.

Um agradecimento especial ao Gabriel Rosenbaum, analista que está sendo lapidado aqui dentro do Market Makers, pela ajuda na CompoundLetter de hoje.

Compartilhe

Por Matheus Soares

Fundador do Market Makers, analista responsável pela Carteira Market Makers de Ações. Antes de fundar o MMakers, foi analista responsável pela cobertura de Small Caps na XP Inc e analista fundamentalista da Rico Investimentos. Certificado no curso de Value Investing da Columbia Business School.

matheus.soares@mmakers.com.br